Por Anderson Gurgel.
Quando comecei a trabalhar com negócios do esporte, ainda no fim da década de 1990, no falecido jornal A Gazeta Mercantil, a maior parte das ações de marketing esportivo que eu reportava nas páginas daquele periódico econômico envolvia ações pontuais nessa área. Projetos consistentes e sustentáveis eram poucos e, quase sempre de órgãos públicos, como Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, ou privados como Coca-Cola. O que se via, no geral, era muito amadorismo e oportunismo, com iniciativas às vésperas de Copas do Mundo e Olimpíadas, para “pegar carona” no assunto da moda e da mídia.
Lembro, inclusive, de vários constrangimentos, como a situação de ir a um evento pós-Olimpíadas que foi organizado por um laboratório farmacêutico que estava comemorando a medalha conquistada por um atleta patrocinado por aquela empresa. O problema é que, na festa-coletiva de imprensa, ficava muito claro que a aquela comemoração era algo improvisado que não fazia parte de um plano de ação estruturado que, culminava em ativar a propriedade adquirida e medalhada. Outro exemplo que não esqueço é de um evento de clubes de futebol de São Paulo para apresentar a parceria com uma marca de preservativos. O problema é que os dirigentes de clube, durante a divulgação do projeto, pareciam constrangidos com a associação das marcas dos principais times paulistas com as vulgarmente conhecidas “camisinhas”.
A questão que interessa dos dois exemplos que dou acima é que, nos últimos anos, a despeito de todos os problemas, o marketing esportivo brasileiro vem evoluindo. Ainda falta muito para chegar ao modelo dos mercados norteamericano e europeu, mas alguns passos foram dados. Além disso, com a realização dos dois maiores megaeventos esportivos em solo nacional – a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016 – o mercado nacional aqueceu e, inclusive, recebeu novos players. Tudo isso contribui para que haja um incremento de know-how nos projetos e, inclusive, uma modificação na mentalidade das empresas interessadas em atuar na área, agora com ações mais consistentes em termos de duração, investimento e impacto esportivo-social.
Um marketing esportivo que não se restrinja aos momentos de ápice dos megaeventos esportivos, mas que seja construído em diálogo com os ciclos da Olimpíada, da Copa do Mundo e de outros é o que se espera hoje das empresas, na era da sustentabilidade. Além disso, a mentalidade atual é a de projetos que promovam um verdadeiro “ganha-ganha”, ou seja, que sejam bons para as marcas associadas ao esporte e que também beneficiem as marcas patrocinadas. Em outras palavras: que não sejam ações nas quais as empresas de modo oportunista aproximam-se dos agentes esportivos somente para brilhar na hora do pódio. O que se espera hoje é que as empresas construam o percurso da vitória junto com os agentes patrocinados – clubes, atletas, times, etc. E que estejam juntos na comemoração ou, o que também faz parte do esporte, na hora das derrotas.
Há alguns anos, fiz o verbete “Marketing Esportivo” para o projeto da Enciclopédia Intercom de Comunicação. Foi uma experiência interessante, pois me permitiu confrontar o pensamento tradicional sobre esse tipo de ação com as novas e boas práticas em vigência atualmente. Em linhas gerais, eu lembrei no texto que esse tipo de estratégia “é uma especialização das técnicas do marketing, voltadas para o mundo do esporte” e que “tem a ver com o conjunto de meios de um processo de comunicação desenvolvido com o sentido de promoção e efetivação de fatos, eventos, entidades, marcas, atletas, produtos e serviços entre outros, mas que sejam obrigatoriamente ligados ao esporte”.
Já naquele momento, por volta de 2009, eu comentava que “um dos pontos divergentes é justamente a abordagem: para alguns estudiosos esse conceito se limita à venda de eventos esportivos”. Na contrapartida, “outra corrente, entende esse campo como a aplicação dos princípios de marketing a qualquer produto – bens, serviços, pessoas, lugares e ideias – da indústria do esporte”. Ou seja, para esse segundo grupo, o marketing esportivo deve ser parte do esporte e não somente atuar nele durante os “momentos especiais”, como comentei acima.
Esse marketing esportivo que defendo aqui envolve conhecimentos e práticas de quatro campos de estudo, a saber: o universo do esporte e dos conhecimentos esportivos, a expertise da área de administração de empresas, as teorias fundamentais das ciências sociais e, não menos importante, as práticas e referenciais teóricos dos estudos de comunicação.
A perspectiva que quero dar a essa coluna de Comunicação e Marketing Esportivo é fundamentada nessa segunda corrente de conhecimentos e práticas mercadológicas. Isso vai permitir, nos próximos textos, abordar o processo de construção de megaeventos como a Copa do Mundo de 2014, por exemplo, tentando entender os motivos que levam a Fifa, a nomear a bola do evento de “Brazuca” e a mascote, de “Fuleco”.
Ainda serão assuntos relevantes as ações audiovisuais de grandes empresas de material esportivo, como o trabalho que a Nike vem desenvolvendo com parceiros como o Corinthians. Naming rights das novas arenas, projetos de retenção de talentos, como no caso de Neymar no Santos, ações de massificação de esportes no mercado brasileiro, como rúgbi e futebol americano, novos produtos esportivos ou associados ao esporte e disputas por direitos de imagem de eventos, como nos embates entre Globo e Record, são outros assuntos relevantes.
E, como lembro no verbete da Enciclopédia Intercom, “com o crescimento do interesse da sociedade pelo esporte e o aumento da cobertura midiática do assunto, começam a surgir eventos direcionados e produtos com marcas registradas, embalagens atraentes e já distribuídos com estratégias segmentadas. Ao longo do século XX, as agências de propaganda passaram a estimular o marketing esportivo, atuando na dobradinha com a mídia eletrônica crescente. O marketing esportivo, no fim do século XX, alcançou uma nova fronteira com o esporte social, estando nesse campo o esporte-lazer e o esporte-educação”.
Pensar e debater o marketing esportivo nessa perspectiva é muito mais fascinante e muito mais condizente com os desafios e oportunidades que os agentes do esporte deparam-se atualmente no Brasil. Fica o convite para fazermos essa jornada juntos, trocando informações e opiniões e debatendo os temas atuais e relevantes que contribuirão para que o legado da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Rio 2016. A hora de fincar as colunas para que o esporte seja uma instância sustentável e sustentadora de um novo tempo no País é agora. E o primeiro passo, antes de entrar em campo, é o debate de ideias, benchmarking e alinhamento de estratégias. Conto com você para que esta coluna alcance esse sentido.