Por André Rizek
A máfia do apito, detalhe por detalhe
Saiba, em 11 perguntas e respostas, tudo o que aconteceu e ainda pode acontecer no escândalo de arbitragem que manchou o futebol brasileiro
1 – Por que todos os 11 jogos apitados por Edílson Pereira de Carvalho no Brasileiro foram anulados?
Luiz Zveiter, presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, procurou os promotores José Reinaldo Guimarães Carneiro e Roberto Porto, que cuidam das investigações sobre a Máfia do Apito, dois dias depois da prisão de Edílson, no dia 26 de setembro. Esperava receber uma lista detalhada do Ministério Público, contendo quais jogos foram vendidos e quais estariam limpos. A resposta que recebeu o deixou sem reação. “Dissemos que, na visão do MP, todos os jogos que esses caras apitaram em 2005 estão contaminados”, diz Carneiro. Ele explicou que não era missão do MP listar os jogos efetivamente vendidos, mas, sim, levantar provas da ação criminosa do bando, o que já estava feito. Depois, Zveiter foi à carceragem da Polícia Federal ouvir o que o ex-árbitro tinha a lhe dizer. Tinha a esperança de que o próprio Edílson pudesse lhe esclarecer quais jogos foram, de fato, fraudados. A conversa aconteceu dentro na sala do superintendente da polícia. Edílson sentou-se na ponta de uma mesa oval, como se estivesse chefiando a reunão. Desandou a falar sobre sua participação na Máfia do Apito. Parecia até orgulhoso da fama. O presidente do STJD concluiu que era impossível aproveitar seu depoimento para tomar uma decisão sóbria sobre o que fazer com os jogos. Como o calendário do campeonato exigia uma solução rápida, por causa da disponibilidade de datas para refazer os jogos, Zveiter chamou para si a resonsabilidade e concedeu a liminar que anulou os 11 jogos.
2 – Mas existem provas de que todos os jogos estejam contaminados?
Não existem. As escutas telefônicas feitas pela polícia começaram apenas no dia 2 de agosto, quando Edílson já havia apitado 20 das 26 partidas em que trabalhou este ano e Danelon, 14 dos 15 jogos. Estavam grampeados os telefones dos apostadores Nagib Fayad, o Gibão, líder da Máfia, e de um de seus sócios, o advogado Daniel Gimenes, além dos números dos dois árbitros. As escutas mostram que Edílson fraudou a partida Vasco 2 x 1 Figueirense, no dia 7 de agosto, e tentou fraudar, sem sucesso, Juventude 1 x 4 Figueirense, no dia 24 de julho, e Santos 4 x 2 Corinthians, em 31 de julho (apesar de as datas serem anteriores ao começo das escutas, em agosto os criminosos ainda conversavam sobre os jogos passados). Curiosamente, foram apenas estas as partidas que Edílson confessou ter vendido em seu depoimento à polícia. As gravações ainda mostram que o ex-juiz se ofereceu para fraudar Inter 3 x 2 Coritiba, São Paulo 3 x 2 Corinthians e Fluminense 3 x 0 Brasiliense, mas não está claro se houve ou não acerto com os bandidos. Nas duas primeiras, o site Aebet, que era usado para fazer as apostas de maior valor da Máfia, não cotou os jogos, pois já estava desconfiado do esquema.
3 – Se não há provas, por que os promotores julgam que todas as partidas estejam contaminadas?
Porque há vários indícios que mostram que Edílson mentiu à polícia e ao MP quando confessou sua participação apenas nestes três jogos. “Não existe alguém que seja meio corrupto, que aceita vender um jogo e se negue a fazer parte do esquema na partida seguinte”, diz o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro. O fato de o site Aebet não ter cotado alguns jogos de Edílson também não era problema para Gibão. O líder da Máfia do Apito – descobriu-se após a sua prisão – mantinha uma própria banca de apostas e disse aos promotores que, se o Aebet fechava apostas nos jogos de Edílson, sempre era possível achar algum outro site que as aceitasse. “Lugar onde apostar não é problema.” E tem mais: Gibão disse em seu depoimento estar desconfiado de que o próprio Edílson fazia apostas, ou seja: vendia a vitória de um time para Gibão e apostava ele próprio na vitória do adversário. Nenhuma das 11 partidas apitadas por
ele acabou em empate. Gibão, porém, confessou o acerto com Edílson também apenas em três jogos.
4 – Edílson fazia jogo duplo mesmo?
O computador do ex-juiz foi apreendido e, até agora, a perícia não revelou que Gibão tinha razão. Mas, como Edílson tinha amizade com criminosos de Jacareí, os promotores afirmam: “Não descartamos a hipótese de jogo duplo, financiada por outros bandidos que não faziam parte do esquema de Gibão”. Mas “não descartar” é bem diferente de estar provado.
5 – Zveiter foi coerente?
Não. Pelo menos até o fechamento desta edição. Se o presidente do STJD aceita a tese de que todos os jogos apitados pelos juízes estão contaminados, como explicar que simplesmente nenhuma medida foi tomada em relação aos quatro jogos apitados por Danelon na Série B?
6 – Mas por que anular jogos, como Juventude 1 x 4 Figueirense e Santos 4 x 2 Corinthians, nos quais as escutas mostram que Edílson não conseguiu fazer o resultado planejado?
Além do “não descarte ao jogo duplo”, a Justiça Desportiva prevê anulação de jogos em que o juiz tenha, comprovadamente, alterado o resultado. Aí, cabe uma interpretação da lei: entrando em campo prediposto a favorecer uma equipe, Edílson pode ter alterado, sim, o placar dos jogos. Por exemplo: ele tentou favorecer o Juventude contra o Figueirense (reconheceu que marcou até um pênalti inexistente para o time de Caxias nesta partida, que acabou desperdiçado). Em vez de 4 x 1 para a equipe de Santa Catarina, o jogo poderia ter terminado 6 x 1, 8 x 2. Como saldo de gols é critério de desempate, a partida também fica “contaminada”. Sem falar nos cartões indevidos que pode ter distribuído.
7 – Danelon fraudou também a Série B?
Ele disse que fez parte do esquema no primeiro semestre, durante o Paulista, mas se recusou a continuar vendendo jogos na Séria B do Brasileiro. O MP sabe que ele mentiu. Antes de as escutas começarem, a revista Veja apurou que a partida Portuguesa 0 x 4 Ituano, em 10 de junho, pela Segundona, foi fraudada pelo ex-juiz. Ele também negociou para fraudar Ituano x Marília, dia 13 de junho (terminou 2 x 1 para o Ituano), mas as investigações não concluíram se houve acerto.
8 – O que aconteceria se os jogos apitados por Danelon na Série B fossem anulados?
Uma confusão ainda maior do que na Série A. O rebaixamento do Vitória poderia ser cancelado. Por isso, a Federação Bahiana é a maior interessada em anular os jogos. Zveiter ainda não tomou uma posição.
9 – O árbitro Héber Roberto Lopes também estava no esquema?
O nome do juiz foi citado por Gibão em depoimento à CPI dos Bingos como alguém que seria “caseiro”, ou seja, favoreceria os times mandantes. Por isso, Edílson teria lhe dado a dica para apostar na coluna 1 em Botafogo x Juventude. Daí a dizer que ele faz parte do esquema, ou seja, recebeu dinheiro para fabricar resultados, vai uma longa distância. Seu nome não aparece nas escutas telefõnicas feitas pela PF.
10 – Por que os jogos do Paulista apitados pela dupla tiveram uma decisão completamente diferente: uma comissão analisou jogo por jogo para decidir qual deve ser anulado?
Porque as decisões sobre os campeonatos estaduais são tomadas, em primeira instância, pelos Tribunais de Justiça Desportiva de cada estado – se algum clube recorrer, o caso vai para o STJD, no Rio, que dá a palavra final. O TJD de São Paulo entendeu que montar uma comissão, presidida pelo ex-árbitro Sidrack Matrinho, seria a melhor solução. A primeira idéia de Zveiter era fazer o mesmo com o Brasileiro. Mas a comissão designada para a tarefa, presidida pelo também ex-árbitro Léo Feldman, concluiu que era impossível chegar a alguma decisão razoável analisando os teipes. Outra diferença entre as decisões do tribunal de Zveiter e o da Federação Paulista é que, para o segundo, a palavra de Edílson e Danelon deve ser levada a sério na hora de separar quais jogos foram fraudados e quais não foram.
11 – O que pode acontecer no Paulista?
Os jogos apitados pela dupla poderiam alterar apenas o rebaixamento. O título do São Paulo, que terminou com oito pontos de vantagem sobre o segundo colocado, não estaria em risco.
Os 40 jogos “contaminados”
Veja todos os jogos apitados por Edílson e Danelon em 2005 e que se tornaram automaticamente suspeitos após a divulgação do escândalo da “Máfia do Apito”