Mais do que celebrar passado e futuro, a reinauguração do Beira-Rio, na noite deste sábado, acertou qualquer conta pendente que o Inter poderia ter com seus ídolos. E os igualou de uma maneira carinhosa. Mostrou que todos podem ser importantes. Como o majestoso Falcão, de ternos impecáveis, que, inclusive, abriu mão deles ao aparecer com um fardamento idêntico ao de 1976 e mostrar que a mágoa com a demissão em 2011 não é maior que o clube. Ou ainda Adriano Gabiru, um herói improvável e antes até indesejado, um Macunaíma vermelho, que teve um capítulo especial só para ele, terminando carregado pelos ex-companheiros após a reprise do gol do Mundial.
Assim, de braços abertos, sem rancores nem vaidades, o Inter desfilou suas glórias alcançadas e projetou uma nova era de conquistas ao reabrir o Beira-Rio. Por quase três horas, um espetáculo, que teve início às 20h, se mostrou digno da grandeza de um clube tricampeão brasileiro, bi da Libertadores e campeão mundial. O espetáculo, arquitetado e dirigido pelo renomado (e colorado) diretor artístico Edson Erdmann, emocionou os cerca de 45 mil colorados que testemunharam uma data histórica. Que, acima de tudo, serviu para reunir todos os seus heróis. Até os mortos, devidamente homenageados. O Gigante está de volta. E orgulhoso do que já fez.
O orgulho estampado no rosto de cada um deixou claro que os quase 500 dias de Beira-Rio fechado valeram a pena. Mais de oito horas antes do início do espetáculo, torcedores já circulavam nas imediações. Tiravam fotos, selfies ou apenas admiravam um novo estádio. Sim, um estádio novo, mais moderno e completamente diferente daquele inaugurado há 45 anos, mas que mantém a velha “alma” nos vestiários, nos corredores e nas arquibancadas onde milhares viveram dias de pura alegria.
Pontualmente às 19h, uma contagem regressiva nos novos telões iniciou o pré-show. Logo em seguida, entraram em cena o Saci e o Escurinho, mascote e personagem do clube. Dançaram e animaram o público até o início do espetáculo. Quando a banda Blitz subiu ao palco montado sobre o gramado, o público já estava aquecido. Com a camisa do Inter, Evandro Mesquita, torcedor fanático do Fluminense, colocou os colorados para cantar vários hits da banda nos anos 80.
Após cerca de 30 minutos de música e festa, era a vez da história entrar em campo. E história com H maiúsculo. Com os grandes momentos do clube como fio condutor, o espetáculo “Os Protagonistas” usou e abusou de fogos, luzes, sons, imagens e um mix de linguagens artísticas com música, dança e teatro para retratar as principais glórias dos 45 anos de Beira-Rio.
Coube a ídolos de diferentes gerações introduzirem o espetáculo: Figueroa, Fernandão e D’Alessandro. E sobrou até para o tradicional rival. Ao assumir o microfone, o atual camisa 10 colorado alfinetou:
– Tenham certeza de que o Beira-Rio é nosso. É a casa de vocês – bradou D’Alessandro, fazendo alusão à Arena do Grêmio e a conturbada relação do clube com a construtora.
A torcida colorada entendeu o recado e foi ao delírio.
Em seguida, uma representação teatral retratou o surgimento do estádio. Com figurinos da época, três atores misturados ao público representaram a pressão feita por dirigentes colorados ao prefeito de Porto Alegre para receberem um terreno que abrigaria a futura casa do Inter, aquela que sucederia do Estádio dos Eucaliptos, que já ficava pequeno para as ambições do clube.
Encenada em forma de musical com orquestra e 200 vozes no coral, a história da construção do Beira-Rio foi um dos momentos mais emocionantes. Luzes projetadas no gramado reproduziram as águas do Lago Guaíba, cortadas por um barco cenográfico de 15 metros de comprimento por quatro de altura. Dançarinos encenaram as obras de aterramento, a campanha dos tijolos e, de repente, a água sumiu do gramado para dar lugar à terra. Ali, sobre o rio, em 13 de abril de 1969, nascia um novo templo: o Beira-Rio.
No segundo ato, o show entrou nos anos 1970. Época de glórias e de ídolos. Figueroa, Valdomiro, Dadá Maravilha, Manga e outros craques colorados foram homenageados no palco. Falcão, fardado com a camisa 5, ovacionado por 45 mil vozes. Uma época também de lembrar gols marcantes, como o gol iluminado de Figueroa na final do Brasileiro de 1975 contra o Cruzeiro, que rendeu o primeiro título brasileiro. Ou a tabela entre Falcão e Escurinho, na semifinal de 1976, reproduzido no telão enquanto as obras primas dos grandes pintores da humanidade se formavam no gramado.
Chegou os anos 1980, época em que o Inter bateu na trave em conquistas importantes, mas cujos feitos mais marcantes foram a vitória sobre o Barcelona de Diego Maradona, pelo Troféu Joan Gamper de 1982, e a vitória no Gre-Nal do século de 1989, válido pela semifinal do Brasileiro do ano anterior, retratado rapidamente e de forma burocrática. Nilson, autor do gol na virada por 2 a 1, e Abel Braga, então técnico da equipe, foram homenageados.
A década seguinte, os anos 1990, também foi lembrada rapidamente. Pinga, Gato Fernández e Caíco foram homenageados pelo título da Copa do Brasil de 1992, contra o Fluminense, gol marcado por Célio Silva. O atacante Fabiano foi ovacionado ao lembrar o histórico Gre-Nal dos 5 a 2 em 1997, mas arrancou lágrimas da torcida quando ficou sem palavras durante seu depoimento reproduzido no telão, falando sobre os problemas pessoais que enfrentou.
– Uh, Fabiano! Uh, Fabiano! Uh, Fabiano! – retribuíram os colorados.
Aqueles anos foram tempos difíceis também para o próprio clube, retratados em outra encenação teatral. Sobre uma peça cenográfica que reproduziu o antigo placar do Beira-Rio, com o placar marcado em 1 a 0 para os visitantes, três atores interpretam os irmãos Poppe, fundadores do clube. Falaram sobre 1999, quando o Inter quase foi rebaixado. E pactuaram uma espécie de refundação, que colocaria o Inter em uma nova era.
Entraram então em cena os anos 2000, das maiores glórias coloradas. A encenação de uma guerra entre dois exércitos, caracterizados de gaúchos, índios, gladiadores medievais e soldados modernos representou os grandes jogos da década. Acompanhados por Abel, entraram em campo os jogadores campeões da Libertadores de 2006. Ao som da banda Cachorro Grande, as conquistas da Recopa e da Copa Sul-Americana também foram lembradas, com o telão exibindo o bordão: “Campeão de Tudo”.
O melhor, no entanto, ainda estava por vir: o Mundial de Clubes de 2006. Em vídeos, Clemer, Gabiru, Índio, Ceará, Fernandão e Iarley relembram os momentos que antecederam o confronto contra o todo-poderoso Barcelona de Ronaldinho Gaúcho e o favoritismo na véspera do time espanhol.
– O que me deu mais raiva foi uma declaração do Deco, de que o Barcelona tinha de jogar só o suficiente para ganhar do Inter – lembrou Clemer.
– Nós então dissemos que o suficiente deles não ia ser suficiente – completou Fernandão. – Entramos lá e demos porrada neles – acrescentou o capitão colorado no Mundial, provocando risos no estádio.
Vestido desta de vez de terno, Falcão voltou ao palco para assumir a condução do espetáculo. E falou sobre os 13 segundos que podem mudar uma vida. No caso do Inter, o tempo de duração da jogada do gol de Gabiru em Yokohama, no Japão. Os participantes recordaram o lance telão. Ídolos apareceram torcendo no vídeo. E depois, enquanto o lance foi reproduzido no telão, o estádio silenciou. E explodiu de alegria com o gol de Gabiru e a entrada dos campeões mundiais no gramado.
– Gabiru, Gabiru, Gabiru – gritavm os torcedores, enquanto o atacante autor do gol mais importante da história do Inter era arremessado para o ar pelos companheiros.
Chegava o momento da reinauguração. O presidente do Inter, Giovanni Luigi, abriu uma garrafa de champanhe e declarou o Beira-Rio aberto oficialmente. A atriz Araci Esteves lêu cartas que serão enterradas em uma cápsula do tempo no pátio do estádio. Era o ápice do show: dois guindastes, posicionados fora do Beira-Rio, erguerem dois telões, que foram projetadas mensagens de ídolos colorados de todos os tempos.
– O maior protagonista, da nossa história é você, torcedor colorado – repetiram vários.
Fogos de artifícios pintaram o céu de vermelho e outras cores, e a torcida explodiu na arquibancada. Cânticos que costumam embalar o Beira-Rio em dias de jogos, com “Minha Camisa Vermelha, foram entoados por 45 mil vozes, enquanto o símbolo do clube e as principais conquistas de seus 105 anos de história eram projetadas no gramado. Por fim, o DJ britânico Fatboy Slim transformou o estádio em uma grande balada, encerrando uma noite inesquecível.