O dia em que a F-1 virou circo
Por causa da polêmica envolvendo os pneus Michelin, apenas seis carros largaram em Indianápolis, para revolta do público
Garrafas plásticas e latas lançadas na pista, torcedores nas
arquibancadas com polegares apontados para baixo, minutos seguidos de
vaias ao fim do GP dos Estados Unidos, vencido, ou quem sabe perdido,
ontem, por Michael Schumacher e Rubens Barrichello, segundo. Depois das
tragédias de 1994, em Ímola, foi o dia mais negro da história recente da
Fórmula 1.
E há dois culpados principais: a Michelin, por
produzir um pneu incapaz de permitir a seus pilotos disputarem as 73
voltas da corrida, sob o risco de explodirem, e Max Mosley, presidente
da FIA, pela intransigência ignorante. A Fórmula 1 profanou onde jamais
poderia, no circuito de Indianápolis. Pode ser que não possa nunca mais
colocar os pés nesse templo do automobilismo.
Ao final da “corrida”, em meio às vaias, latas e garrafas plásticas foram atiradas na pista
Vergonha, essa era a palavra mais ouvida entre os torcedores
que gritavam através das grades do circuito, enquanto Michael
Schumacher, Rubens Barrichello e Tiago Monteiro, da Jordan, terceiro
colocado, deslocavam-se dos boxes para a área de entrevistas. E pensar
que se há inocentes nessa história são os pilotos da Bridgestone –
Ferrari, Jordan e Minardi, que nada tiveram a ver com o caso.
Mas o sinal mais forte do quanto a Fórmula 1 atingiu,
decepcionou, quebrou a confiança de um público que ama, desde 1911,
corrida de automóveis tenha sido o fato de a maioria dos 14 pilotos que
não puderem competir, atendendo a orientação da Michelin, deixarem o
extraordinário autódromo logo depois da largada. Sua preocupação era
evidente: a revolta do público que já começava a se agitar nas
arquibancadas. Há quem tenha visto esse comportamento como covarde.
Os pilotos da Renault, McLaren, Williams, Toyota, Red Bull,
Sauber e BAR, equipes que utilizam pneus Michelin, ao fim da volta de
apresentação entraram nos boxes, recolheram seus carros e abandonaram o
GP dos Estados Unidos, país de tanto interesse para todos na Fórmula 1, o
esporte mais comercial no maior mercado do mundo. O que é mais incrível
é que a prova poderia ter sido realizada não fosse a postura torpe do
presidente da FIA.
O problema encontrava-se na curva 13,
que antecede a reta dos boxes, a mesma do traçado oval. A Michelin expôs
seus pneus a simulações nos seus centros de estudo de Clermont Ferrand,
na França, e na Carolina do Sul, nos Estados Unidos, durante a
madrugada de sábado para ontem, e confirmou que seus pneus não
suportariam mais de dez voltas no circuito de 4.192 metros. A corrida
tinha 73. Ralf Schumacher, da Toyota, já havia experimentado,
sexta-feira, os horrores de um grave acidente naquele ponto.
“Nós propusemos a construção de uma chicane, antes da curva 13,
assim nós passaríamos mais lentos e não haveria problemas com nossos
pneus”, explicou Flavio Briatore, diretor da Renault. “Depois oferecemos
à FIA de os times da Michelin não marcarem pontos nessa etapa (nona) do
Mundial. Nada, absolutamente nada foi aceito.” Mosley, de Londres,
recusava todas as alternativas que o diretor de prova, Charlie Whiting,
lhe enviava de Indianápolis.
Respeitar o regulamento. Esse o teor dos documentos
distribuídos pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA), para
justificar sua postura intransigente. Verdade, mas diante de situação
tão pouco comum, como ontem, e a combinação entre incompetência da
Michelin e altivez, ao assumir, publicamente, seu fracasso, em nome da
segurança de todos, Mosley permitir que a corrida fosse disputada, com a
inclusão da chicane e a invalidade dos pontos das escuderias da
Michelin, seria uma demonstração de visão um pouco mais pluralista e até
respeitosa.
Ficou no ar a suspeita de que o presidente da
FIA não perdeu a chance, mesquinha, de punir os times que se recusaram a
assinar a extensão do Acordo da Concórdia, como fez a Ferrari, em
janeiro. A Ferrari assistiu a tudo, ontem, quase como convidada. E
cumpriu seu papel, ao posicionar-se distante dos acontecimentos, já que
como parceira da Bridgestone nada tinha a ver com o profundo desgaste da
Michelin. Transformaram o circuito de Indianápolis num picadeiro. Só
esqueceram de avisar os torcedores de que eles seriam os palhaços.
Fórmula 1
Lívio Oricchio
Enviado especial
INDIANÁPOLIS